A Travessia do Adeus: O Luto Necessário e a Reconstrução do Self no Fim de um Relacionamento
O término de um relacionamento
afetivo – seja o fim de um casamento ou de um namoro – configura-se como um dos
maiores estressores psicossociais da vida adulta, desafiando a capacidade de
adaptação e a integridade emocional do indivíduo. Longe de ser um evento
superficial, a ruptura desencadeia um processo complexo e profundo que a
Psicologia, em consonância com os referenciais éticos e científicos do Conselho
Federal de Psicologia (CFP), entende como um trabalho de luto. A perda
transcende o simples adeus ao parceiro, abarcando a desintegração de um projeto
de vida, o desmanche de rotinas compartilhadas e, sobretudo, a necessidade de
renegociar a própria identidade que foi, em grande parte, definida pela díade.
O embasamento teórico para a
compreensão dessa experiência remonta à Psicanálise, notadamente à obra de
Sigmund Freud. Em "Luto e Melancolia" (1917/2010), Freud estabeleceu
as bases para entender o luto como um processo doloroso, mas necessário, de
desinvestimento libidinal do objeto perdido. No contexto da separação, a psique
se opõe ferrenhamente à exigência da realidade de que o objeto de amor não
existe mais como parte da vida. O esforço exigido para retirar toda a energia
psíquica (libido) investida no parceiro e no vínculo é a essência do
"trabalho de luto", caracterizado pela ruminação de memórias e
pela profunda tristeza que acompanha a aceitação da perda irreversível.
A manifestação desse luto segue,
muitas vezes, o modelo de fases adaptado para perdas não-mortais, servindo como
um mapa para a dor. Inicialmente, a negação opera como um escudo protetor
contra o choque da realidade, mantendo uma fantasia de reconciliação. Esta fase
é frequentemente sucedida pela raiva, um sentimento que pode ser projetado no
ex-parceiro, em si mesmo, ou em fatores externos, manifestando-se como
frustração e sentimento de injustiça. A barganha, caracterizada por tentativas
de reverter a situação, culmina na fase mais intensa de depressão ou tristeza
profunda, onde o sujeito vivencia o vazio existencial e a desorganização
emocional decorrente da ausência. A superação, contudo, se instala com a
aceitação, que é o ponto de virada onde o indivíduo, sem necessariamente apagar
a dor ou as lembranças, consegue direcionar o foco para o presente e para a
reconstrução de um futuro individual.
Além da dimensão íntima e
psíquica, a separação possui um forte impacto social. A sociedade, estruturada
em torno de valores de conjugalidade e sucesso afetivo (Zanetti, Sei &
Colavin, 2013), muitas vezes impõe um estigma ou uma pressão para a rápida
recuperação. Essa pressão pode levar o indivíduo a vivenciar um "luto não
autorizado" (Doka, 1989), onde a dor não encontra o reconhecimento e o
apoio social necessários, dificultando a sua elaboração. A perda de um
relacionamento é também a perda de uma posição social, forçando o sujeito a
renegociar suas amizades, a dinâmica familiar e o seu lugar no mundo.
Neste cenário complexo, a atuação
do psicólogo, regida pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP,
2005), é crucial. O profissional atua como um mediador seguro do processo,
oferecendo o suporte técnico-científico para que o luto seja vivenciado de
forma plena e saudável. O objetivo não é acelerar o processo, mas criar um
espaço de acolhimento para a dor, auxiliar na identificação dos sentimentos
ambivalentes e promover a restauração da autoestima e da autonomia. A terapia
torna-se o local onde a energia, antes aprisionada na relação finda, pode ser
liberada para o desenvolvimento pessoal, permitindo que a "travessia do
adeus" resulte na redescoberta de um self mais fortalecido e consciente.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. (2010). Luto e Melancolia. In: Obras completas,
volume 12. São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em
1917).
ZANETTI, S. A., SEI, M. B., & COLAVIN, T. (2013). O Fim
do que era para ser para sempre: O que fazer uma vez que o luto pelo rompimento
da relação acabou? In T. de Almeida (Org.). O Poder do Ex em Minha Vida: Sobre
a Influência das Relações Cíclicas no Cotidiano das Relações Amorosas. Pepsic.
DOKA, K. J. (1989). Disenfranchised grief. Lexington Books.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética
Profissional do Psicólogo. Resolução CFP nº 010/05. Brasília, DF: CFP, 2005.

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